Durante muito tempo na minha prática clínica, ao ser questionada a respeito do que é a psicoterapia, busquei fornecer informações claras e de cunho prático. Sem dúvida elas são necessárias, e confesso que vez ou outra ainda me valho desse recurso. Entretanto, a compreensão do processo psicoterapêutico, que é mediado por um psicólogo, requer um olhar mais amplo do que o ofertado pela etimologia da palavra – de origem grega, psyche que significa mente + therapeuein, o ato de curar, de forma que me permito fazer uso de uma licença poética nessa empreitada.
Fundamentalmente, trata-se de um processo que objetiva ampliar a visão, que é um sentido básico e corriqueiro, que se não apresenta distorções, torna-se, paradoxalmente, invisível, automatizado e subjugado.
Talvez por se tratar de um ato prosaico não percebemos a sua importância, muito menos os seus desdobramentos. Como dizia Rubem Alves, ver é muito complicado. De acordo com ele, “isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica a física óptica de uma máquina fotográfica – o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física…”
Para auxiliar a transcendência da visão, surge a psicoterapia. Trata-se de enxergar, não apenas de ver. O objetivo é ampliar o olhar, explorando aspectos que dificultam a fluência da pessoa no manejo do dia a dia e que trazem sofrimento ou, muitas vezes, o adoecimento psíquico.
A psicoterapia é um processo que pode trazer inúmeros benefícios. Trata-se de um caminho de ressignificação dos modos de pensar e de agir, ampliando as habilidades de escuta multidimensional – para dentro e para fora, para cima e para baixo e para os dois lados, e de comunicação, competências fundamentais para a construção de relacionamentos mais saudáveis. Os ganhos são evidentes, desde a melhoria da saúde integral quanto o ganho de confiança, aumento da capacidade de tomada de decisões, práticas de enfrentamento de situações difíceis, habilidades de aceitação e gestão dos processos da vida, dentre muitas outras.
Entretanto, são comuns os relatos que evidenciam que uma das principais razões que levam a pessoa a não empreender um processo psicoterapêutico é a falta de argumentos para justificar – para os outros e para si mesma a necessidade ou os benefícios do tratamento. Apesar de bastante divulgada, a prática da psicoterapia ainda é alvo de preconceitos e estereótipos, frutos do desconhecimento acerca das vantagens e benefícios que ela pode proporcionar para todos os que se dispõem a lançar mãos desse recurso. Por vezes, a busca pela psicoterapia é uma jornada solitária, na qual a pessoa pode não encontrar apoio e acolhimento da família e amigos. Contudo, se existe uma necessidade ou mesmo o desejo de buscar autoconhecimento, vale a pena ouvir esse chamado considerar encarar o desafio.
De acordo com Carl Gustav Jung, “constata-se o desenvolvimento no processo analítico – ou na psicoterapia, grifo meu, a partir do confronto dialético do consciente com o inconsciente, gerando um progresso em direção a uma meta ou fim”. Em outras palavras, esse confronto gera a desmobilização e a readequação de padrões de pensamentos e ações em diferentes aspectos da vida, sendo capaz de proporcionar clareza, aceitação das limitações e impactos das situações imutáveis e oferecer a possibilidade de ressignificação dos sentimentos envolvidos, além de desenvolver o senso de responsabilidade.
Por se tratar de um processo que envolve tempo e disponibilidade, a psicoterapia requer motivação – o que não significa estar contente e animado, sendo também necessária prontidão para lidar com a frustração, o que geralmente se desenvolve durante o próprio processo psicoterapêutico, num relacionamento construído com base no respeito, ausência de preconceito e isenção de quaisquer julgamentos. À medida que a visão vai se ampliando e a consciência aumentando através da dilatação das esferas de compreensão, o autoconhecimento começa a acontecer. Como consequência, abandonamos a visão imediatista e unilateral e passamos a enxergar e a fazer descobertas. Muitas delas difíceis, e outras fascinantes. Todas, entretanto, quando bem elaboradas, são libertadoras. Nesse momento, existe a possibilidade de mudança. E um ato de coragem. Segundo Robert Holden, a verdadeira psicoterapia é o processo de modificar seu modo de se ver. A mudança acontece sempre que você pratica a autoaceitação incondicional, sempre que você se dá um tempo. A mudança acontece sempre que você opta pela bondade no lugar do julgamento, pelo perdão em vez da autoagressão, pelo riso e não pela condenação. A vida sempre melhora quando você se trata melhor.
Na optometria, que mede o poder e a amplitude da visão, se afirma que “a visão se aprende, portanto, se pode treinar”. A psicoterapia consiste em treinar a relação da pessoa consigo mesma, num processo contínuo de criação e ampliação da consciência, na busca de entender e aliviar o sofrimento através do autoconhecimento, da abertura às novas possibilidades de sentido e significado da existência, que transcende o simples ato de existir, transformando-se em vida plena. Busca-se transformar a informação em conhecimento, e este, em sabedoria. Afinal, “a árvore que o sábio vê não é a mesma que o tolo vê” – William Blake.
Queremos ter certezas e não dúvidas, resultados e não experiências, mas nem mesmo percebemos que as certezas só podem surgir através das dúvidas e os resultados somente através das experiências – Carl Gustav Jung.
Por ser uma prática baseada na palavra, a psicoterapia é comumente confundida com aconselhamento, mentoria, treino de assertividade, coaching e afins. Entretanto, essa é uma distorção que necessita ser devidamente esclarecida. Durante o processo psicoterapêutico a pessoa é auxiliada pelo psicólogo a identificar, refletir e compreender as raízes do próprio sofrimento psíquico, com vistas à readequação de conduta e consequente alívio do desconforto, bem como a desenvolver ferramentas para evitar a repetição de padrões de pensamento e atitudes que se opõem ao desenvolvimento saudável e levam ao adoecimento psíquico.
Para a condução desse processo, que tem o diálogo como sua principal ferramenta, é necessário um profissional devidamente habilitado e preparado, comprometido com os preceitos éticos da profissão. Visando lograr êxito nessa tarefa, o psicólogo se vale de conhecimento teórico e metodológico, aprofundamento e atualização constantes, além de um amplo trabalho de análise pessoal. Em alguns casos pode ser requerida a supervisão clínica, ou seja, um olhar complementar sobre a demanda por parte de outro psicólogo para enriquecer o entendimento da situação.
Por se tratar de um processo individualizado, a duração do tratamento, bem como a frequência e o tempo das sessões de psicoterapia serão definidas de acordo com o referencial teórico adotado, o perfil e as necessidades apresentadas, assim como a evolução do tratamento, podendo ser revistos a qualquer momento que se fizer necessário. Ao buscar um profissional, é importante certificar-se de que o mesmo esteja devidamente habilitado e inscrito no Conselho Regional de Psicologia, bem como buscar referências adicionais sobre a atuação do profissional em questão. Uma consideração que reputo importante na busca por um psicólogo é a experimentação. Marque um horário, observe a sua reação à sessão inicial e, caso sinta necessidade, marque com outro profissional. Nem sempre a primeira escolha é a que melhor te atende. Trata-se de um relacionamento a se desenvolver, portanto, é fundamental que ocorra afinidade entre as partes. Não adianta ser o profissional mais qualificado do mercado, mas não suscitar em você conforto e confiança. A construção da relação terapêutica entre o psicólogo e o cliente deve ser estabelecida num ambiente seguro e sigiloso. Os temas abordados serão, muitas vezes, sensíveis e desafiadores, sendo em algumas oportunidades, bastante dolorosos, de forma que se torna fundamental que se estabeleça uma parceria prolífica.
A psicoterapia é uma das mais poderosas ferramentas de autoconhecimento. É democrática, inclusiva e um ato de amor próprio.
Bibliografia
ALVES, Rubem. A complicada arte de se ver. Disponível em www1.folha.uol.com.br
MENEZES, Jasper. Pare com a autossabotagem. Disponível em www.oamor.com.br
JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2015.