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Autoconhecimento

Nomofobia

Vivemos em rede. Somos, querendo ou não, entes conectantes vivendo interconectados. A tecnologia invadiu o nosso cotidiano de forma avassaladora. Muitas das nossas ações cotidianas são mediadas pelas TICs – Tecnologias de Informação e Comunicação, fato que pode trazer inúmeros benefícios, quando bem administrado.

A simples ideia de ficar desconectado pode desencadear uma verdadeira comoção de proporções muitas vezes comprometedoras.

Cada época desenvolve características próprias, sendo marcada por suas glórias e mazelas. Temos acesso a uma enorme quantidade de produtos e serviços digitais – inclusive muitas relações interpessoais, de forma que é esperado um aumento significativo do lugar de importância que a internet passou a ocupar na vida contemporânea. O lado perverso de toda essa facilidade é a enorme capacidade de causar sérios prejuízos à saúde física e psíquica que o uso indiscriminado da internet pode desencadear, sem falar nos prejuízos de ordem social e coletiva.

Dentre esses possíveis comprometimentos encontra-se a nomofobia, que é a fobia desencadeada pelo desconforto ou angústia resultante da incapacidade de acesso à comunicação através de aparelhos celulares, tablets ou computadores de modo geral. A simples ideia de ficar desconectado pode desencadear uma verdadeira comoção de proporções muitas vezes comprometedoras.

O termo é originário da Inglaterra, e deriva da expressão no-mobile, que significa sem celular, acrescido do sufixo fobos, palavra grega que simboliza medo ou fobia. Essa junção cunhou a palavra nomofobia, também conhecida como dependência digital, condição que gera impactos negativos à saúde do indivíduo, com implicações físicas, psicológicas e sociais.

De acordo com estudiosos do tema, os portadores da nomofobia tendem a apresentar paralelamente alguma outra condição de saúde associada, como transtornos de ansiedade, pânico, transtorno obsessivo-compulsivo ou agorafobia, dentre outros, que atuam como base ou facilitadores para o surgimento da dependência digital. Se identificado algum outro transtorno, pode ser necessária a implementação de terapia medicamentosa, sempre prescrita por um profissional habilitado, no caso o médico especialista – psiquiatra.

Quando as interações com o mundo virtual ameaçam a habilidade ou o interesse da permanência no mundo real, deve ser avaliada a possibilidade da existência de dependência, que se não identificada e tratada adequadamente, tende a ocasionar inúmeras perdas, inclusive a ausência de controle da própria vida.

Os prejuízos que a nomofobia pode acarretar são inúmeros. Ansiedade, angústia, taquicardia, sudorese intensa, depressão, isolamento social, inabilidade nas relações interpessoais, problemas de postura, insônia, agitação psicomotora e transtornos da visão, dentre muitos outros, são os mais facilmente identificados. Contudo, o uso contínuo das tecnologias da informação por si só não caracteriza dependência. O contexto deve ser avaliado. Na atualidade, em decorrência das inúmeras restrições impostas à população mundial em razão da pandemia de COVID-19, a tecnologia assumiu um protagonismo inevitável, mas certamente perigoso. 

A dependência digital se caracteriza pelo uso excessivo e lesivo da tecnologia, acarretando perdas diversas para a pessoa acometida. Quando as interações com o mundo virtual ameaçam a habilidade ou o interesse da permanência no mundo real, deve ser avaliada a possibilidade da existência de dependência, que se não identificada e tratada adequadamente, tende a ocasionar inúmeras perdas, inclusive a ausência de controle da própria vida.

Outro fator preocupante é o crescimento da dependência digital entre crianças e adolescentes. A nomofobia tem assolado pessoas de todas as idades, de diferentes contextos socioeconômicos e culturais. Identificar tal condição nem sempre é simples, uma vez que a vida moderna é mediada pela presença digital e essa não é uma escolha. Não há formas viáveis de subsistência completamente à margem do uso de tecnologias, ainda que indiretamente. O simples ato de sacar dinheiro da conta bancária passa pela interação com o mundo digital. Adicionalmente, é quase sempre desconfortável se perceber dependente de qualquer situação, e a tendência maior é a negação, com justificativas racionais de que a situação está sob controle, e que é possível regular o ritmo da interação digital a qualquer instante. É comum que a constatação da condição se dê através da observação de terceiros, sejam esses parentes ou pessoas próximas.

Quando as interações com o mundo virtual ameaçam a habilidade ou o interesse da permanência no mundo real, deve ser avaliada a possibilidade da existência de dependência, que se não identificada e tratada adequadamente, tende a ocasionar inúmeras perdas, inclusive a ausência de controle da própria vida.

Dentre os fatores de risco para o surgimento da nomofobia estão a baixa autoestima, dificuldades nos relacionamentos interpessoais, uso excessivo das redes sociais e internet, interação social precária, timidez excessiva, vícios nos sistemas de recompensa das redes sociais como número de views, likes, retuites, curtidas, necessidade constante de compartilhamento de atos rotineiros da vida como uma simples refeição e comportamentos afins. Isso não significa, de modo algum, que pessoas que não apresentem os fatores de risco não possam desenvolvê-la, tampouco que os que têm predisposição irão apresentar essa condição. Os casos devem ser analisados dentro de um contexto mais amplo e de forma individualizada.

Uma forma prática de identificar possíveis sintomas de dependência digital consiste em abster-se, periodicamente, de celulares e computadores por períodos pré-determinados de tempo, como um período do dia ou até mesmo um final de semana completo e observar, de forma sincera, como foi a experiência, se possível registrando num papel as principais emoções detectadas. Os sintomas da dependência digital se manifestam de diferentes formas. Os principais sinais são ansiedade, irritação, sensação de perda de tempo, sentimentos de inutilidade, raiva, frustração, incompletude, apatia, tristeza e dificuldade de se desligar ou se concentrar em outras atividades fora da rede estão entre os mais relatados.

O Brasil é um dos países mais fortemente ligados à internet, de acordo com o Comitê Gestor de Internet no Brasil, sendo as principais atividades dos usuários brasileiros o uso de aplicativos de trocas de mensagens como WhatsApp, Skype ou Snapchat e redes sociais como Instagram e Facebook. De acordo com a pesquisa TIC Domicílios realizada em 2019 pelo Centro Regional para o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação – Cetic.br, vinculado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, três em cada quatro brasileiros acessam a internet regularmente, o que equivale a 134 milhões de pessoas. 

Apesar disso, a nomofobia ainda é timidamente divulgada no Brasil, o que dificulta um pouco a identificação do problema e a procura por tratamento. Países como o Japão, a China e a Coreia do Sul tratam a dependência digital como questão de saúde pública, onde foram criados vários centros de tratamento especializado. A Universidade Federal do Rio de Janeiro mantém um centro especializado para a detecção e tratamento da dependência digital, o Delete, que oferece tratamento multidisciplinar para o enfrentamento da patologia. Caso perceba, em você ou em alguém próximo, indicativos dessa condição, não hesite em buscar orientação profissional na sua cidade. Quanto mais cedo a detecção e a intervenção, maior o êxito do tratamento. A prática de exercícios físicos, a diminuição gradual do uso da internet e a implementação de outras formas de lazer podem ser muito úteis. Também a psicoterapia tem se mostrado extremamente eficaz para auxiliar nesse processo, podendo proporcionar mudanças qualitativas com resultados gratificantes. Nenhum algoritmo é capaz de substituir satisfatoriamente a interação humana de qualidade.

Bibliografia

Agencia Brasil. Brasil tem 134 milhões de usuários de internet. Publicado em 26/05/2020 – 16:59 Por Jonas Valente – Repórter Agência Brasil – Brasília
Atualizado em 26/05/2020 – 20:47. Disponível em http//www.agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-5/brasil-tem-mais-de-123-milhoes-de-usuarios-de-internet-aponta-pesquisa  Acesso em 10 de novembro de 2020.

Meio Bit – Ciência – Delete — Instituto brasileiro combate abuso e dependência de tecnologias digitais.  Ronaldo Gogoni. Disponível em https://www1.tecnoblog.net/meiobit/2017/brasil-instituto-delete-fundacao-trata-dependencia-digital-smartphones-games-internet-redes-sociais/. Acesso em 30 de dezembro de 2020.

Adolescentes e dependência digital – EPC – Escola Presbiteriana de Cuiabá (epcba.com.br). Disponível em https://epcba.com.br/adolescentes-e-dependencia-digital/. Acesso em 30 de dezembro de 2020.

O que é nomofobia? Entenda sobre a síndrome da dependência digital. Disponível em https://blog.psicologiaviva.com.br/. Acesso em 30 de dezembro de 2020.

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Parentalidade Atípica

A luta e o luto na Parentalidade Atípica

Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente.

William Shakespeare

Falar sobre a temática do luto na parentalidade atípica requer um olhar sistêmico para lograrmos, pelo menos em parte, um melhor entendimento a respeito desse fenômeno tão complexo e desafiador. Nesse contexto, nosso enfoque é sobre o processo de luto precipitado pelas características diferentes da criança que nasceu em razão da morte da idealização filial à qual estão sujeitos os pais. 

Aqui cabe considerar que o luto é um fenômeno universal, constituído de aspectos fisiológicos, psicológicos, sociais e espirituais que, juntos e em diferentes proporções, formam a complexa teia sobre a qual se vivencia esse período. Apesar de ser um processo comum à todos, a expressão dessa vivência é absolutamente singular para cada pessoa, o que requer um olhar que compreenda diferentes dimensões e suas possíveis manifestações.

Na condição de seres vivos, todos os dias vivemos um pouco e também morremos um pouco. As mortes podem ser reais ou simbólicas. Algumas delas são veladas, outras públicas. Na parentalidade atípica, estamos tratando da morte simbólica e, na maioria das vezes, pública. Nesse contexto podemos entender morte simbólica como qualquer processo de perda representativa que nos afeta pela diferença entre o que se espera e o que de fato se apresenta, ou seja, pelo rompimento de padrões esperados em detrimento de uma realidade, quase sempre indesejada e até mesmo temida, podendo causar intenso sofrimento psíquico e precipitando o acometimento do estado de luto. 

Quando se perde um filho, simbolicamente, nesse caso o filho idealizado que não nasceu conforme as expectativas parentais, os pais quase sempre vivenciam, ainda que de forma inconsciente, um processo de luto, de forma individual e permeada pela cultura.

A morte simbólica, entretanto, é um tema tabu – fato que não deveria causar estranheza, uma vez que a morte física, inerente à própria existência, até hoje é um assunto que desencadeia reações polarizadas como terror e fascínio, e encabeça intensas discussões que vão desde a filosofia, passa pela ciência e chega até a religião, sendo que nenhuma dessas vertentes parece fornecer explicações capazes de acolher a todos. O fato é que o homem não quer morrer, de sorte que toda morte, real ou simbólica, desencadeia certo grau de comoção. Como lidar, então, com a morte simbólica que a parentalidade atípica impõe?

Quando se perde um filho, simbolicamente, nesse caso o filho idealizado que não nasceu conforme as expectativas parentais, os pais quase sempre vivenciam, ainda que de forma inconsciente, um processo de luto, de forma individual e permeada pela cultura (compreendemos como cultura, nesse caso, o conjunto de influências familiares, sociais, religiosas, econômicas, psicológicas e fisiológicas que podem atuar sobre a pessoa). Alguns o experimentam de forma tão intensa e avassaladora que muitas vezes se faz necessária intervenção profissional médica e/ou psicológica, a fim de auxiliar no processo de ressignificação da experiência da perda e da nova realidade que se apresenta.

A chegada de um filho atípico é uma experiência individual e singular, que geralmente traz consigo um luto próprio, uma vez que as concessões e adaptações que se impõem são muito intensas, sonhos são desfeitos, expectativas frustradas e as estratégias anteriormente pensadas se mostram quase sempre ineficazes e predomina um cenário permeado de incertezas. A interrupção da continuidade do fluxo familiar esperado costuma causar uma sensação de vazio no seio dessa família. Esse novo cenário evoca um diálogo intenso – consciente ou não, muitas vezes doloroso da pessoa consigo mesma, e responder à essas demandas pode despertar emoções perturbadoras, que preferíamos não ter que encarar.

Nesse cenário, todas as vivências são singulares, onde cada um dos pares e também na relação como casal, quando for o caso, dotados de aspectos e manifestações próprias, em consonância com suas histórias de vida, da maneira como experimentaram a vivência como filhos, distintas formas de lidar com o desconhecido e características individuais, dentre outras. O fato é que a parentalidade atípica geralmente demanda a construção de uma nova identidade, e é justamente através e durante a elaboração desse luto simbólico que o espaço para essa nova identidade encontra força para emergir, uma vez que as mudanças decorrentes desse processo vão requerer alterações de vida significativas, em especial no tocante à visão de mundo e do próprio papel como sujeito.

O fato é que a parentalidade atípica geralmente demanda a construção de uma nova identidade, e é justamente através e durante a elaboração desse luto simbólico que o espaço para essa nova identidade encontra força para emergir

Há, porém, uma dinâmica que pode dificultar sobremaneira a elaboração do luto pela perda do filho idealizado na parentalidade atípica, que é a urgência em cuidar das necessidades distintas da criança real, a rotina quase sempre estafante e infinita da busca pela confirmação do diagnóstico, diferentes terapias, dieta especial, restrições e adaptações de diferentes ordens, a batalha que muitas vezes se trava pela cobertura dos tratamentos pelo convênio médico – quando se pode contar com esse recurso, dentre tantas outras peculiaridades, enquanto tudo continua a requerer dos pais, pois os compromissos não param, e até aumentam muito, o trabalho exige, os outros filhos também, a família estendida e seus questionamentos e opiniões – ainda que imiscuídos das melhores intenções quase sempre são uma obrigação a mais, explicações intermináveis, os amigos e uma infinidade de arestas a serem aparadas que levam os pais a um constante deitar sobre uma cama de faquir, onde acabam por abafar o luto o que, em geral, costuma cobrar um alto preço posteriormente. Não é incomum os pais desencadearem doenças como depressão, transtorno de ansiedade, pânico, e por aí vai, além de muitas vezes a convivência dos pares enquanto casal se tornar insuportável. 

O luto emerge, quer você admita ou não, quer esteja consciente ou não, e, se não vivenciado e elaborado, tende a ser eternizado, trazendo consequências indesejáveis, precipitando uma vida aprisionada pela morte simbólica.

Precisamos dar espaço para o luto. A rachadura da semente é a abertura para que ela brote. E sim, você é apenas um ser humano, que provavelmente não escolheria ter um filho atípico, inclusive porque você o ama, não quer que ele tenha sofrimentos e dificuldades adicionais e também não quer sofrer, e tudo bem encarar esse sentimento. O luto emerge, quer você admita ou não, quer esteja consciente ou não, e, se não vivenciado e elaborado, tende a ser eternizado, trazendo consequências indesejáveis, precipitando uma vida aprisionada pela morte simbólica. Um luto elaborado – e esse não é um processo indolor, pode ser libertador, além de dar espaço para o exercício da parentalidade atípica saudável, que aceita e acolhe, de verdade, as diferenças. Lutar pela elaboração do luto, e não para evitar o luto. Luto, sem luta, aprisiona. Luto, acolhido e vivenciado, capacita. Sem deixar sair o filho idealizado, dificilmente se pode aceitar plenamente o filho real.

Deus costuma usar a solidão
Para nos ensinar sobre a convivência.
Às vezes, usa a raiva para que possamos
Compreender o infinito valor da paz.
Outras vezes usa o tédio, quando quer
nos mostrar a importância da aventura e do abandono.
Deus costuma usar o silêncio para nos ensinar
sobre a responsabilidade do que dizemos.
Às vezes usa o cansaço, para que possamos
Compreender o valor do despertar.
Outras vezes usa a doença, quando quer
Nos mostrar a importância da saúde.
Deus costuma usar o fogo,
para nos ensinar a andar sobre a água.
Às vezes, usa a terra, para que possamos
Compreender o valor do ar.
Outras vezes usa a morte, quando quer
Nos mostrar a importância da vida.

Paulo Coelho

Bibliografia

BARCELLOS, Bruno Fernandes. O luto é um umbigo. Disponível em https://www.pensador.com/frase/MTk2NzE5MA/. Acesso em 01 de novembro em 2020.

COELHO, Paulo. Importância da vida. Disponível em https://www.mensagemcomamor.com/. Acesso em 01 de novembro em 2020.

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Psicologia do Climatério

Quando o clima esquenta – Um olhar sobre o climatério

Eis que de repente a mulher percebe algumas mudanças. A maioria delas discreta, outras mais perceptíveis e algumas de fato saltam aos olhos. As atividades rotineiras, antes despercebidas, passam a chamar a atenção. O corpo e as emoções ficam em evidência, sugerindo mudanças. Alterações corporais, geralmente ligadas ao aumento do peso corpóreo, podem surgir e insistir em não ir embora. O ritmo circadiano sofre alterações visíveis, obedecendo a comandos misteriosos, fazendo do adormecer e do despertar aventuras ansiosas. O padrão menstrual costuma sofrer alterações muitas vezes incompreensíveis, fazendo com que a tensão pré-menstrual se perpetue às vezes por quase todo o mês. Um aumento significativo de cansaço e a sensação de nunca ter descansado o suficiente causam desconforto físico e psicológico e as emoções parecem fugir ao nosso controle, ou melhor, ao controle que imaginávamos ter até então. 

O cérebro límbico – ou o sistema das emoções, unidade do cérebro responsável pelas nossas emoções, ganha um protagonismo muitas vezes desconcertante. O humor tende a se manifestar de forma intensa e instável. A sensação predominante é de envelhecimento acelerado e repentino, como se abruptamente 10 anos tivessem se passado. Somado a esse quadro, acrescenta-se o fato de que a mulher, a partir dos 40 anos, costuma estar atravessando uma fase especialmente desafiadora da vida, uma vez que os filhos comumente ainda são dependentes dela em alguns – senão em muitos aspectos. Os pais, geralmente em idade mais avançada, costumam necessitar de cuidados adicionais e despertam preocupações.

 As demandas afetivas, o trabalho e as exigências de permanência e produtividade, atreladas ao aumento significativo da expectativa de vida e das atuais condições para galgar a aposentadoria, além das inúmeras pressões sociais de perpetuação da juventude e beleza, saúde e qualidade de vida, à luz do que dita o atual contexto cultural, pode tornar esse longo trecho da vida da mulher muito parecido com a travessia das cordas no esporte radical slackline, que consiste em caminhar sobre uma corda esticada a muitos metros do chão, pé ante pé, sem pausa para descanso, de forma que qualquer desequilíbrio pode ser literalmente fatal. 

Bem-vinda ao climatério. 

As demandas sociais diversas às quais são submetidas as mulheres na cultura ocidental, que valoriza em excesso aspectos estéticos, muitas vezes em detrimento dos éticos, terminam por colocar por sobre os ombros da mulher expectativas e modelos de atuação quase desumanos. 

A vida da mulher é permeada por alterações significativas, tais como a primeira menstruação – menarca, o início da atividade sexual, a maternidade e a menopausa. De acordo com a OMS – Organização Mundial de Saúde, o climatério é uma fase biológica da vida. Assim como todas as outras, exige diversas adaptações, sendo permeada por alterações físicas, sociais e psicológicas.

 Esse período, em especial, pode propiciar o reaparecimento de dores e conflitos adormecidos, muitas vezes precipitando muito sofrimento. O corpo e as emoções da mulher passam a demandar uma nova compreensão mais acurada, requerendo flexibilidade e ajustamento frente às novas necessidades. O nosso cérebro é conhecido por ser uma máquina de repetição. Talvez essa seja uma das razões pelas quais temos certa resistência a mudanças. Tudo o que é novo assusta, e com o climatério não é diferente. Parte das mulheres relata não perceber sintomas nessa fase, mas a grande maioria aponta o surgimento de alterações significativas. 

O termo científico climatério é utilizado para descrever a fase de transição do período reprodutivo para o período não reprodutivo da mulher, e costuma apresentar-se entre os 40 e os 55 anos de idade, até a ocorrência da menopausa. Oriundo do Latim climactericus e do Grego klimakterikus, que significa período crítico ou degrau de uma escada, o climatério representa um longo período, que imputa importantes repercussões e impactos na vida da mulher.

 Alterações de natureza fisiológica, simbólica e psicológica tendem a se sobrepor, requerendo um olhar diferenciado e acolhedor durante essa travessia. Trata-se de um fenômeno universal. Entretanto, os sintomas que acometem as mulheres podem variar significativamente de acordo as percepções a respeito dessa fase no contexto cultural no qual estão inseridas, contexto esse que compreende uma série de esferas, dentre as quais se destacam a sociedade, a família, as redes de apoio, o acesso à informação, a condição socioeconômica e cultural, fatores nutricionais e condições de saúde, além da possibilidade de expressão das emoções. Alterações de natureza fisiológica, simbólica e psicológica tendem a se sobrepor, requerendo um olhar diferenciado e acolhedor durante essa travessia. 

Em razão da sua natureza multicausal, onde fatores fisiológicos – metabólicos e hormonais, além de alterações sociais – padrões comportamentais e psicológicos – expressão e manifestação dos sentimentos, o climatério constitui-se num conjunto de vivências que requerem uma atenção diferenciada, visando garantir a saúde integral e a qualidade de vida da mulher. 

Como um fenômeno biopsicossocial que acarreta perdas e transformações diversas, cada mulher vivência essa experiência de modo singular. Com a diminuição na produção dos hormônios ovarianos, podem surgir sintomas físicos e psicológicos, bem como as manifestações culturais e sociais do climatério, experimentados de forma particular para cada uma. Trata-se de mais um ciclo na vida da mulher.

É importante ressaltar que o climatério, assim como inúmeros outros processos típicos do organismo feminino, não deve ser encarado como adoecimento ou fatalidade, antes necessita ser compreendido como um evento fisiológico com implicações biopsicossociais, para o qual o corpo feminino foi projetado, com plena capacidade de êxito. A transição do período reprodutivo para o não reprodutivo dificilmente será silenciosa e assintomática.

 Apesar de ser projetada para esse período, não há garantias de que essa fase ocorrerá de forma tranquila e harmônica para todas as mulheres. As inúmeras pressões às quais estão submetidas, a indução midiática e social à não aceitação do próprio corpo, transformando-o num oráculo social de sucesso ou fracasso, a crença de que o período menstrual é uma espécie de castigo ou condenação desnecessários, o incentivo farmacológico à repressão dos processos básicos do corpo feminino como a supressão eletiva da menstruação, a busca desenfreada pela eterna juventude e inúmeras outras demandas sociais tendem a dificultar a aceitação de um organismo que prenuncia mudanças. Entretanto, elas vão, inevitavelmente, ocorrer. O ciclo evolutivo para o qual o corpo feminino foi projetado compreende essa etapa. 

A transição do período reprodutivo para o não reprodutivo dificilmente será silenciosa e assintomática. Há que se cuidar também da mente e das emoções, buscando cultivar o respeito e aceitação das funções e características inerentes ao ser feminino. Assim como na adolescência, no climatério a mulher está numa fase de transição, e o desconhecido geralmente causa estranhamento, assusta, tira da zona de conforto, podendo desencadear frustrações, estados ansiosos e até mesmo depressão. 

Apesar disso, lamentavelmente o climatério ainda é um assunto pouco discutido, em especial entre as mulheres. Nos últimos anos, a expectativa de vida da população brasileira passou de 45,5 anos em 1940 para 75,5 anos em 2015, um aumento de 30 anos num curto espaço de tempo, de forma que o climatério passou a ser vivenciado por uma população significativamente maior, o que requer a implementação de políticas de atenção e promoção a saúde feminina diferenciadas por parte do estado e dos profissionais diretamente envolvidos. Trata-se de uma questão de saúde pública, em função do contingente de mulheres presentes na população. A necessidade de atenção é imperiosa.

 O climatério evidencia uma necessidade de reflexão a respeito da própria vida, sendo necessária uma reavaliação criteriosa e, ao mesmo tempo, perene, a respeito das próprias condições, das escolhas, de como a vida se desenrolou até então. A habilidade de negociação da mulher consigo mesma tem um grande impacto nesse período, pois surge a necessidade de equilíbrio entre os sonhos e as frustrações, uma vez que a função reprodutiva, tão representativa da feminilidade, encontra-se em declínio, e é preciso aprender a reconhecer o feminino para além dela. Negligenciar essa demanda certamente não vai ajudar, podendo dificultar muito a vivência do climatério. 

O climatério evidencia uma necessidade de reflexão a respeito da própria vida, sendo necessária uma reavaliação criteriosa e, ao mesmo tempo, perene, à respeito das próprias condições, das escolhas, de como a vida se desenrolou até então.

 Em atenção à essa necessidade, a Vocatum Psicologia se dedica a buscar contribuir com o universo feminino, trazendo temas e discussões que auxiliem à mulher nessa travessia, a partir de reflexões que suscitem autoconhecimento e uma melhor compreensão sobre o ser integral e as peculiaridades do climatério. Traremos temas pertinentes às alterações psicológicas e emocionais desse período, de forma simples e direta, na intenção de fornecer insumos para a compreensão da feminilidade face às novas necessidades adaptativas, visando a saúde emocional através da busca constante de autoaceitação. Esperamos contar com a sua parceria nessa viagem de descobertas e incremento do cuidado e respeito próprios. Vamos viajar juntas?

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O primeiro ano do resto de nossas vidas

Protagonizado por um grupo de grandes amigos da faculdade, O primeiro ano do resto de nossas vidas trata dos dilemas da vida adulta, que logo se apresentam mais difíceis de resolver do que se imaginava nos anos da faculdade. Com a formatura, a vida desses jovens muda de rumo, mas ironicamente, seus problemas insistem em acompanha-los. Várias batalhas se travam e os desafios são inúmeros. Intensos conflitos familiares, dificuldades de auto aceitação, a busca por relacionamentos significativos e muitos outros se descortinam. Algumas dessas batalhas são árduas demais, e a vida parecer gostar de desferir golpes continuamente.

Pode soar intensa e dramática a vida desses amigos, mas certamente nos identificamos com alguns dos seus dilemas (senão muitos…), mesmo que de forma não tão condensada. Sua lealdade e amizade, entretanto, são fonte de alivio e inspiração. Entretanto, a mensagem que fica e a certeza de que, em qualquer época da vida, sempre teremos desafios. E, afinal, não necessariamente serão resolvidos, e teremos que aprender a lidar com eles, com uma certa dose de leveza e bom humor.

Um filme tocante, estrelado por um elenco de peso, que nos convida a repensar nossas expectativas, muitas vezes ilusórias, frente aos dilemas que temos que enfrentar. Uma produção cinematográfica sensível e profunda. 

FICHA TÉCNICA

  • Título Original – St Elmo’s Fire

  • Produção – Original Netflix

  • Direção – Joel Schumacher

  • País de produção – Estados Unidos

  • Ano de produção – 1985

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Rosa e Momo – La Vita Davante a Sé

Um assalto. Esse é o cenário inicial onde nasce a intensa relação entre Rosa e Momo. Ela, uma senhora de idade avançada de origem judaica e sobrevivente dos horrores do Holocausto. Carregada de memórias traumáticas, tornou-se prostituta. Fora de atuação, dedica-se a auxiliar as colegas de profissão ao cuidar de seus filhos enquanto elas precisam ganhar a vida.

Momo é um adolescente imigrante sozinho numa terra estranha, e busca na marginalidade algum acolhimento para o seu sofrimento. Ao assaltar Rosa, uma série de eventos se sucedem e nasce uma relação inusitada entre os dois. 

Depois de um começo tumultuado, vai crescendo uma relação de respeito, afeto e amizade mútua, onde ambos se ajudam e se resgatam guiados pelas forças misteriosas do coração. 

Rosa e Momo é um filme que nos impulsiona a repensar as possibilidades de vida após as grandes tragédias, colocando o sofrimento sob perspectiva.

A atuação magistral da atriz aclamada Sophia Loren e do jovem ator Ibrahima Gueye conferem a esse drama uma sensibilidade tenaz, capaz de tocar as nossas mentes e corações.

FICHA TÉCNICA

  • Título Original – La Vita Davante a Sé

  • Produção – Original Netflix

  • Direção – Edoardo Ponti

  • País de produção – Itália

  • Ano de produção – 2019

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Vocatum Indica

A tenda vermelha

Dinah é o seu nome. E dessa vez ela é a protagonista da estória, e não seu pai Jacó, como na narrativa bíblica contida em alguns capítulos do livro de Genesis. Na voz dessa mulher, ecoam os imensuráveis desafios do feminino na antiguidade. 

A tenda vermelha, um lugar de mistério e fascínio, é um espaço destinado essencialmente para as particularidades do feminino, onde as mulheres permanecem durantes os ciclos menstruais, períodos de convalescença e para dar à luz. O local é frequentado exclusivamente por mulheres, e mesmo as meninas só tem autorização para adentra-lo após a menarca – a primeira menstruação.

A estória que nos apresenta Anita Diamant vai muito além da descrição da violência sofrida por Dinah. Perpassa pela relação com as quatro esposas de seu pai Jacó e seus muitos irmãos. O feminino é evocado e fortalecido na tenda vermelha, em oposição ao silêncio doloroso e resignado imposto pela cultura patriarcal e tradições familiares intimidadoras para a mulher, se desnuda na vivencia dessas mulheres. Seus medos, mágoas, paixões, percepções, intuições, os diversos rituais e seus partos formam uma teia sutil e impactante de aliança e sororidade. A tenda vermelha é uma viagem fascinante para dentro do universo feminino. Difícil não se envolver, improvável não se comover e impossível não se emocionar. 

Sobre a autora – Anita Diamant nasceu em Nova York e é uma jornalista e escritora premiada, mundialmente reconhecida pelo seu trabalho. Seus livros foram traduzidos em diversos idiomas, e A Tenda Vermelha inspirou a série da Netflix que recebeu o mesmo nome, lançada em 2014. 

FICHA TÉCNICA

  • Nome original – The Red Tent

  • Autora – Anita Diamant

  • Tradução – Rui Gabriel Viana Pereira e Paulo Guimaraes Pedro

  • Pais de origem – Estados Unidos

  • Número de páginas – 304

  • Ano de lançamento – 2001

  • ISBN-13 ISBN 008599296086

  • Editora Arqueiro

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Em busca de sentido – Um psicólogo no campo de concentração

“Quem tem um porque, suporta quase qualquer como” – Friedrich Nietzshe.

Em busca de sentido é o relato de quão pertinente é a citação do filosofo prussiano – atual Alemanha, Friedrich Nietzshe, inclusive em situações extremas como a vida dos prisioneiros dos campos de concentração da Alemanha durante a II Guerra Mundial. Viktor Frankl foi prisioneiro de diversos desses campos, e essa afirmação o auxiliou a expandir sua teoria – até então embrionária, que preconizava que um indivíduo, quando tem uma forte razão para viver, encontra forças para enfrentar praticamente todas as adversidades da vida. 

O autor sustenta que a nossa reação ante as situações vividas, inclusive as mais extremas e desafiadoras, está intimamente relacionada com o sentido que damos a nossa vida. Dessa forma, adquire-se habilidade para extrair sucesso mesmo em situações trágicas.  A busca de sentido oferece caminhos para a superação dos desafios.

O autor apresenta os benefícios evidentes de uma vida com proposito, pois, este último nos capacita a superar dificuldades inimagináveis. Frankl salienta que esse sentido não é estático, podendo sofrer alterações no decurso da vida, de forma que o objetivo atual pode não ser o mesmo daqui a algum tempo, e que essas alterações são naturais e necessárias para a nossa evolução. Em busca de sentido é uma obra inspiradora, baseada na vivencia do autor e que nos estimula a refletir sobre as nossas escolhas diárias e questionar o sentido das nossas ações. A experiencia de Frankl e dos prisioneiros por ele assistidos como médico e companheiros de prisão o auxiliaram a aprimorar sua teoria sobre o sentido da vida como mecanismo de enfrentamento de dificuldades. A obra é uma reflexão a respeito das nuances da mente humana quando afetada por situações-limite de sofrimento e desesperança, mas que quando se encontra ancorada num sentido claro e definido, encontra subsídios para superar as piores adversidades, num relato emocionante e extremamente engrandecedor.

Sobre o autor – Viktor E. Frankl foi um médico neuropsiquiatra austríaco, professor e fundador da terceira escola vienense de psicoterapia – Logoterapia. Autor de diversas obras, é largamente estudado por cientistas e acadêmicos de psicologia e outras áreas nos Estados Unidos e Canadá, sendo reconhecido mundialmente pelas contribuições da Logoterapia para o desenvolvimento humano e o enfrentamento de situações de sofrimento.

FICHA TÉCNICA

  • Nome original – Trotzdem Ja zum Leben sagen – Ein Psychologe erlebt das Konzentrationslager

  • Autor – Viktor E. Frankl

  • Tradução – Carlos C. Aveline

  • Número de páginas – 140

  • Ano de lançamento – 1946

  • ISBN-13 – 9788432606266 

  •  ISBN – 9788432606266

  • Editora Sinodal

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Vocatum Indica

Perdas Necessárias

A obra versa sobre um dos temas mais significativos e impactantes no decurso da vida – as perdas. Nessa obra prima da literatura mundial, Judith Viorst nos conduz de volta ao início da vida e suas primeiras relações, seguindo o curso natural da existência do início ao fim da vida. Essas relações são calcadas fundamentalmente sobre perdas que geram ganhos, tratando o universo das perdas de forma ampla e profunda, aguçando os nossos sentidos e instigando a nossa compreensão sobre tudo o que necessitamos perder para crescer e evoluir na jornada da vida. Com uma escrita lúcida e didática, a autora nos conduz a uma reflexão sobre o papel do abandono das ilusões e expectativas as quais nos tornamos ligados, sem o qual não podemos galgar novas conquistas. 

As inúmeras experiências de perda – reais ou simbólicas, carregam um potencial intrínseco de crescimento e evolução, sendo fundamental refletir sobre o tema com coragem e honestidade. As perdas estão presentes na vida desde o nascimento até a morte. Ao abordar as diferentes perdas necessárias ao longo da vida, a autora nos convida a repensar tais experiências, fomentando reflexões que incrementam nossas possibilidades de mudança e crescimento, no eterno ciclo de despojamento conhecido pelo nome de “vida”. Perdas Necessárias é muito mais que um livro, constituindo-se num verdadeiro tratado de autodescoberta. 

Sobre a autora – Judith Viorst é uma historiadora e psicanalista norte-americana, autora de inúmeras obras literárias. Seus trabalhos são mundialmente conhecidos, sendo Perdas Necessárias um ícone no segmento de autoajuda, traduzido em vários idiomas, figurando por muito tempo na lista de best sellers do The New York Times.

FICHA TÉCNICA

  • Nome original – Necessary Losses
  • Autora – Judith Viorst
  • Tradução – Aulyde Soares Rodrigues
  • Pais de origem – Estados Unidos
  • Número de páginas – 335
  • Ano de lançamento – 1986
  • ISBN 978-85-06-04499-6
  • ISBN 978-85-06-06660-7 N.O.
  • Editora Melhoramentos