Categorias
Psicologia do Climatério

Angústia no climatério

A angústia é o grito da alma silenciado por uma mão que aperta o peito e dificulta o respirar, nos mantendo num estado de agonia – Silvana Lance

Estado de ansiedade, inquietude, sofrimento, tormento. Segundo o filósofo Kierkegaard (1813 – 1855), a angústia caracteriza-se por um sentimento de ameaça impreciso e indeterminado, inerente a condição humana, pelo ato de que o homem, ao projetar incessantemente o futuro, se defronta com a possibilidade de fracasso, sofrimento e, no limite, morte. 

Presente em grande parte dos relatos sobre a vivência do climatério, a percepção da angústia suscita a necessidade de nos debruçarmos sobre esse assunto, com o intuito de identificar os fatores psicológicos e culturais que facilitam o surgimento desse estado. O climatério, apesar de ser um processo natural para o qual o organismo feminino foi projetado, cuja função é preparar a mulher para o fechamento do ciclo reprodutivo, apresenta contornos socioculturais determinantes na qualidade dessa travessia. O envelhecimento, em razão da sua inevitabilidade, enseja uma elaboração racional. As emoções, entretanto, nem sempre acompanham tal elaboração. O confronto da mulher com as evidências físicas do próprio envelhecimento costuma provocar angústia. A forma com que cada mulher vai atravessar essa fase de mudanças, com maior ou menor prevalência de angústia, sofre interferências múltiplas, a depender de fatores ligados ao estilo de vida, variáveis biológicas, condições de saúde física e psicológica, contexto econômico e cultural, sistema de crenças e valores, além das características individuais. 

A construção cultural acerca do climatério e da cessação da função reprodutiva da mulher é carregada de preconceitos e estereótipos na cultura ocidental. A expectativa de vida da população brasileira é de 76,3 anos, e apesar do climatério ocorrer, em média, dos 41 aos 55 anos, a menopausa, ou seja, a interrupção definitiva da menstruação, é muitas vezes percebida como sinônimo de envelhecimento e incapacidade. A perda definitiva da possibilidade reprodutiva sugere, no imaginário coletivo, o início do envelhecimento feminino, e grande parte das mulheres se ressente, muitas vezes de forma inconsciente, com o prenúncio da velhice.

Nossa cultura valoriza em excesso aspectos como beleza, juventude e produtividade. Assim sendo, a mulher climatérica, sujeita a alterações corporais diversas, dentre inúmeros outros fatores, muitas vezes é subjugada, passando a ser representada como um ser deteriorado, debilitado e sem função social relevante. Essa construção social termina por induzir a estados de insatisfação e não aceitação das mudanças que se apresentam, impactando a autoimagem e facilitando o sentimento de menos valia, deixando a mulher vulnerável à conflitos psíquicos. 

O climatério acarreta uma alteração significativa no papel social da mulher. As mulheres idosas na nossa cultura gozam de um status social diminuído. Essa constatação pode precipitar um estado de profunda angústia e solidão, uma vez que a mulher acredita na premissa que sugere que todas as suas conquistas estão atreladas à juventude, atributo que não mais a representa. Apesar de valorizar a longevidade, os paradigmas sociais vigentes acerca do envelhecimento deixam muito a desejar no sentido da exclusão social do idoso, induzindo essa parcela da população a se autoperceber de forma negativa, sem valor, pois as moedas de troca mais aceitas – juventude, beleza e produtividade, estão fortemente dissociadas do envelhecimento, deixando o idoso sem função social, sem senso de pertencimento grupal. No climatério, ao se perceber envelhecendo, a mulher é confrontada com todas essas questões, e na tentativa de evitar o inevitável, a angústia se instala. 

O apego excessivo às características de outrora são o fio condutor da angústia auto infligida.

Segundo Martin Heidegger (1889 – 1976), um dos filósofos de maior destaque no século XX, a angústia pode ser entendida como uma situação afetiva fundamental, despertada pela consciência da inevitabilidade da morte. No climatério, permeado pela construção cultural da nossa sociedade, pode-se entender que o fim da fase reprodutiva prenuncia a morte da juventude, da capacidade de gerar filhos, da identidade e valor social. 

O conhecimento do corpo e das emoções femininas é fundamental para a compreensão das mudanças trazidas pelo climatério. Na busca por conhecer os próprios processos, a mulher deve priorizar o autocuidado, derrubando mitos e crenças que dificultam a passagem por esse processo de transformação. Nessa perspectiva, abre-se a possibilidade do resgate à dignidade do ser feminino, independente da etapa que está sendo vivenciada, em especial quando da travessia do climatério. O valor individual não está atrelado a nenhuma fase do ciclo vital. A transformação começa na própria mulher, ao cultivar o autorrespeito e reconhecer que as mudanças trazidas pelo climatério não são necessariamente negativas, antes a conclusão de uma etapa da vida. O apego excessivo às características de outrora são o fio condutor da angústia autoimposta. Buscar entender as transformações pode ser libertador, em detrimento de validar uma cultura que não compreende os processos naturais do ser feminino. 

Mudar a mentalidade de toda uma coletividade, entretanto, não é uma tarefa solitária. Leva tempo, é necessária uma educação voltada para a inclusão, sensibilização. Atitudes individuais, todavia, podem surtir um efeito maior que o esperado. Procurar compreender as mudanças despindo-se de todo e qualquer preconceito, entender o climatério como um período da vida repleto de possibilidades de mudanças e cultivar o autorrespeito, sem reproduzir conceitos errôneos e infundados ajudam a debelar o excesso de angústia e promovem, paulatinamente, alterações qualitativas na percepção coletiva a esse respeito.

A angústia que surge no climatério, paradoxalmente, traz uma série de possibilidades a serem exploradas. Ao buscarmos compreender os impactos das mudanças típicas desse período de forma profunda e individualizada, ou seja, considerando a própria percepção a respeito de todas as alterações que estão sendo vivenciadas, é possível relativizar o massacre social a que estão sujeitas as mulheres nesse período. A partir de um diálogo franco e aberto, abre-se a possibilidade de realização da travessia do período reprodutivo para o não reprodutivo com relativa tranquilidade e, sobretudo, com qualidade de vida. Essa jornada, entretanto, nem sempre é indolor. Há que se fazer algumas concessões, relativizar certezas e ter prontidão para mudar e aceitar as mudanças.  Ao se abrir para esse momento, até então desconhecido, a angústia tende a diminuir significativamente. Vale a pena lembrar que o climatério é um fenômeno multicausal, que compreende aspectos biológicos, psicológicos e culturais. Dessa forma, é imperiosa a necessidade de uma compreensão holística, que contemple o ser integral. Uma investigação da própria história, com disponibilidade emocional para rever posicionamentos e certezas guarda um potencial de crescimento. Não nascemos prontos para nenhuma das diversas etapas que a vida nos apresenta. Com o climatério não é diferente. Os desafios não são maiores nem menores do que em outros momentos da trajetória, apenas apresenta necessidades adaptativas próprias, que necessitam ser identificadas e validadas, numa atitude de respeito aos processos básicos do ser feminino em toda a sua magnífica complexidade. A angústia não é, por si só, boa ou ruim, apesar de ser uma experiencia desconfortável.  Sua função maior é nos lembrar que necessitamos de cuidado. Sobretudo, de autocuidado. 

A vida é uma série de mudanças naturais e espontâneas. Não resista a elas; isso só cria tristeza. Deixe a realidade ser realidade. Deixe as coisas fluírem naturalmente para a frente da maneira que elas desejarem. Lao Tzu

Bibliografia

Ruano, Eduardo. Soren Kirkegaard e o existencialismo. Disponível em http//Søren Kierkegaard e o Existencialismo – La Parola. Acesso em 12/12/2020.

Ser e tempo – Desconstrução da metafisica. Disponível em http//ihuonline.unisinos.br/media. Acesso em 12/12/2020. 

Expectativa de vida do brasileiro aumenta para 76,3 anos. Disponível em https://censo2021.ibge.gov.br/. Acesso em 04/02/21