Eis que de repente a mulher percebe algumas mudanças. A maioria delas discreta, outras mais perceptíveis e algumas de fato saltam aos olhos. As atividades rotineiras, antes despercebidas, passam a chamar a atenção. O corpo e as emoções ficam em evidência, sugerindo mudanças. Alterações corporais, geralmente ligadas ao aumento do peso corpóreo, podem surgir e insistir em não ir embora. O ritmo circadiano sofre alterações visíveis, obedecendo a comandos misteriosos, fazendo do adormecer e do despertar aventuras ansiosas. O padrão menstrual costuma sofrer alterações muitas vezes incompreensíveis, fazendo com que a tensão pré-menstrual se perpetue às vezes por quase todo o mês. Um aumento significativo de cansaço e a sensação de nunca ter descansado o suficiente causam desconforto físico e psicológico e as emoções parecem fugir ao nosso controle, ou melhor, ao controle que imaginávamos ter até então.
O cérebro límbico – ou o sistema das emoções, unidade do cérebro responsável pelas nossas emoções, ganha um protagonismo muitas vezes desconcertante. O humor tende a se manifestar de forma intensa e instável. A sensação predominante é de envelhecimento acelerado e repentino, como se abruptamente 10 anos tivessem se passado. Somado a esse quadro, acrescenta-se o fato de que a mulher, a partir dos 40 anos, costuma estar atravessando uma fase especialmente desafiadora da vida, uma vez que os filhos comumente ainda são dependentes dela em alguns – senão em muitos aspectos. Os pais, geralmente em idade mais avançada, costumam necessitar de cuidados adicionais e despertam preocupações.
As demandas afetivas, o trabalho e as exigências de permanência e produtividade, atreladas ao aumento significativo da expectativa de vida e das atuais condições para galgar a aposentadoria, além das inúmeras pressões sociais de perpetuação da juventude e beleza, saúde e qualidade de vida, à luz do que dita o atual contexto cultural, pode tornar esse longo trecho da vida da mulher muito parecido com a travessia das cordas no esporte radical slackline, que consiste em caminhar sobre uma corda esticada a muitos metros do chão, pé ante pé, sem pausa para descanso, de forma que qualquer desequilíbrio pode ser literalmente fatal.
Bem-vinda ao climatério.
As demandas sociais diversas às quais são submetidas as mulheres na cultura ocidental, que valoriza em excesso aspectos estéticos, muitas vezes em detrimento dos éticos, terminam por colocar por sobre os ombros da mulher expectativas e modelos de atuação quase desumanos.
A vida da mulher é permeada por alterações significativas, tais como a primeira menstruação – menarca, o início da atividade sexual, a maternidade e a menopausa. De acordo com a OMS – Organização Mundial de Saúde, o climatério é uma fase biológica da vida. Assim como todas as outras, exige diversas adaptações, sendo permeada por alterações físicas, sociais e psicológicas.
Esse período, em especial, pode propiciar o reaparecimento de dores e conflitos adormecidos, muitas vezes precipitando muito sofrimento. O corpo e as emoções da mulher passam a demandar uma nova compreensão mais acurada, requerendo flexibilidade e ajustamento frente às novas necessidades. O nosso cérebro é conhecido por ser uma máquina de repetição. Talvez essa seja uma das razões pelas quais temos certa resistência a mudanças. Tudo o que é novo assusta, e com o climatério não é diferente. Parte das mulheres relata não perceber sintomas nessa fase, mas a grande maioria aponta o surgimento de alterações significativas.
O termo científico climatério é utilizado para descrever a fase de transição do período reprodutivo para o período não reprodutivo da mulher, e costuma apresentar-se entre os 40 e os 55 anos de idade, até a ocorrência da menopausa. Oriundo do Latim climactericus e do Grego klimakterikus, que significa período crítico ou degrau de uma escada, o climatério representa um longo período, que imputa importantes repercussões e impactos na vida da mulher.
Alterações de natureza fisiológica, simbólica e psicológica tendem a se sobrepor, requerendo um olhar diferenciado e acolhedor durante essa travessia. Trata-se de um fenômeno universal. Entretanto, os sintomas que acometem as mulheres podem variar significativamente de acordo as percepções a respeito dessa fase no contexto cultural no qual estão inseridas, contexto esse que compreende uma série de esferas, dentre as quais se destacam a sociedade, a família, as redes de apoio, o acesso à informação, a condição socioeconômica e cultural, fatores nutricionais e condições de saúde, além da possibilidade de expressão das emoções. Alterações de natureza fisiológica, simbólica e psicológica tendem a se sobrepor, requerendo um olhar diferenciado e acolhedor durante essa travessia.
Em razão da sua natureza multicausal, onde fatores fisiológicos – metabólicos e hormonais, além de alterações sociais – padrões comportamentais e psicológicos – expressão e manifestação dos sentimentos, o climatério constitui-se num conjunto de vivências que requerem uma atenção diferenciada, visando garantir a saúde integral e a qualidade de vida da mulher.
Como um fenômeno biopsicossocial que acarreta perdas e transformações diversas, cada mulher vivência essa experiência de modo singular. Com a diminuição na produção dos hormônios ovarianos, podem surgir sintomas físicos e psicológicos, bem como as manifestações culturais e sociais do climatério, experimentados de forma particular para cada uma. Trata-se de mais um ciclo na vida da mulher.
É importante ressaltar que o climatério, assim como inúmeros outros processos típicos do organismo feminino, não deve ser encarado como adoecimento ou fatalidade, antes necessita ser compreendido como um evento fisiológico com implicações biopsicossociais, para o qual o corpo feminino foi projetado, com plena capacidade de êxito. A transição do período reprodutivo para o não reprodutivo dificilmente será silenciosa e assintomática.
Apesar de ser projetada para esse período, não há garantias de que essa fase ocorrerá de forma tranquila e harmônica para todas as mulheres. As inúmeras pressões às quais estão submetidas, a indução midiática e social à não aceitação do próprio corpo, transformando-o num oráculo social de sucesso ou fracasso, a crença de que o período menstrual é uma espécie de castigo ou condenação desnecessários, o incentivo farmacológico à repressão dos processos básicos do corpo feminino como a supressão eletiva da menstruação, a busca desenfreada pela eterna juventude e inúmeras outras demandas sociais tendem a dificultar a aceitação de um organismo que prenuncia mudanças. Entretanto, elas vão, inevitavelmente, ocorrer. O ciclo evolutivo para o qual o corpo feminino foi projetado compreende essa etapa.
A transição do período reprodutivo para o não reprodutivo dificilmente será silenciosa e assintomática. Há que se cuidar também da mente e das emoções, buscando cultivar o respeito e aceitação das funções e características inerentes ao ser feminino. Assim como na adolescência, no climatério a mulher está numa fase de transição, e o desconhecido geralmente causa estranhamento, assusta, tira da zona de conforto, podendo desencadear frustrações, estados ansiosos e até mesmo depressão.
Apesar disso, lamentavelmente o climatério ainda é um assunto pouco discutido, em especial entre as mulheres. Nos últimos anos, a expectativa de vida da população brasileira passou de 45,5 anos em 1940 para 75,5 anos em 2015, um aumento de 30 anos num curto espaço de tempo, de forma que o climatério passou a ser vivenciado por uma população significativamente maior, o que requer a implementação de políticas de atenção e promoção a saúde feminina diferenciadas por parte do estado e dos profissionais diretamente envolvidos. Trata-se de uma questão de saúde pública, em função do contingente de mulheres presentes na população. A necessidade de atenção é imperiosa.
O climatério evidencia uma necessidade de reflexão a respeito da própria vida, sendo necessária uma reavaliação criteriosa e, ao mesmo tempo, perene, a respeito das próprias condições, das escolhas, de como a vida se desenrolou até então. A habilidade de negociação da mulher consigo mesma tem um grande impacto nesse período, pois surge a necessidade de equilíbrio entre os sonhos e as frustrações, uma vez que a função reprodutiva, tão representativa da feminilidade, encontra-se em declínio, e é preciso aprender a reconhecer o feminino para além dela. Negligenciar essa demanda certamente não vai ajudar, podendo dificultar muito a vivência do climatério.
O climatério evidencia uma necessidade de reflexão a respeito da própria vida, sendo necessária uma reavaliação criteriosa e, ao mesmo tempo, perene, à respeito das próprias condições, das escolhas, de como a vida se desenrolou até então.
Em atenção à essa necessidade, a Vocatum Psicologia se dedica a buscar contribuir com o universo feminino, trazendo temas e discussões que auxiliem à mulher nessa travessia, a partir de reflexões que suscitem autoconhecimento e uma melhor compreensão sobre o ser integral e as peculiaridades do climatério. Traremos temas pertinentes às alterações psicológicas e emocionais desse período, de forma simples e direta, na intenção de fornecer insumos para a compreensão da feminilidade face às novas necessidades adaptativas, visando a saúde emocional através da busca constante de autoaceitação. Esperamos contar com a sua parceria nessa viagem de descobertas e incremento do cuidado e respeito próprios. Vamos viajar juntas?
Bibliografia
- CALDAS, Arlene de Jesus Mendes et al. Vivenciando o climatério: aspectos socioeconômicos, físicos e emocionais. Disponível em https://portalatlanticaeditora.com.br/index.php/enfermagembrasil/article/viewFile/3702/pdf. Acesso em 01/01/2021.
- MINISTÉRIO DA SAÚDE – Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Brasília – DF 2008 Manual de Atenção à Mulher no Climatério / Menopausa 1.ª edição 1.ª reimpressão Série A. Normas e Manuais Técnicos Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – Caderno 9. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_atencao_mulher_climaterio_menopausa.pdf. Acesso em 01/01/2021.
- GONCALVES, Marcia. Psiquiatria na prática médica: correlações entre o climatério e sintomas psiquiátricos. Psychiatry on line Brasil, volume 22, novembro de 2017. Disponível em http://www.polbr.med.br/ano11/prat1111.php. Acesso em 01/01/2021.