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Desenvolvimento Humano

Sem lenço e sem documento – o dilema dos imigrantes

O movimento migratório, que são os deslocamentos populacionais, é tão antigo na história da humanidade que atravessa a noção de identidade do ser humano.

A história do Brasil é um exemplo desse fenômeno. Somos uma nação formada por uma reunião de povos e culturas, da qual somos o resultado. Muitas são as razões que encorajam a saída do país de origem. Dentre estas, uma parte significativa dos imigrantes parte em busca de melhores condições de trabalho e vida, nessa ordem.

Nesse processo, se enchem de coragem e sonhos e optam por tentar a vida numa terra distante e promissora.

Como todas as ações humanas, a decisão de viver em outro país traz inúmeras consequências, revelando vantagens e desvantagens. Entretanto, a forma de cada pessoa lidar com os impactos da imigração é muito particular, podendo inclusive se apresentar de diferentes maneiras na mesma pessoa, dependendo da época e das condições.

Apesar da experiência de imigração atravessar cada pessoa de maneira distinta, é possível identificar a presença de alguns sentimentos e emoções comuns aos imigrantes, que se apresentam na vida dessas pessoas com contornos diferenciados.

A trajetória do imigrante, em especial das pessoas que se encontram com a situação documental irregular no país onde vivem, impõe uma condição de extrema vulnerabilidade, tornando esse indivíduo mais propenso ao adoecimento físico, psicológico e emocional.

A pressão psicológica a que estão constantemente submetidas essas pessoas que vivem diariamente sob influência de condições estressantes como viver à margem da sociedade, a ilegalidade frente às autoridades, situação econômica mais desvantajosa em razão da inserção no mercado de trabalho apresentar características como salários mais baixos, jornadas de trabalho extenuantes, falta de acesso a serviços médicos, dentre outras, representa em geral um agravante para a manutenção da saúde. 

Esse conjunto de fatores pode desencadear uma autopercepção de que a pessoa tem menos valor, de ser invisível para a sociedade, de não pertencimento ao grupo social, além do medo constante, no caso dos que não tem permissão para viver no país. Infelizmente nessa situação há pouco ou nenhum espaço de escuta e acolhimento. As escassas oportunidades de interação costumam se dar com outros imigrantes que geralmente se encontram na mesma situação de vulnerabilidade, onde o compartilhamento do sofrimento se torna o tema recorrente.

Ao deixar o país, especialmente com o passar do tempo, as perdas podem assumir um protagonismo desconcertante. Por outro lado, a prosperidade material geralmente nunca alcançada na terra natal, a recorrente dependência financeira dos pais e parentes no país de origem e dos filhos que nasceram ou cresceram e estão adaptados ao país atual inviabilizam o retorno à terra natal.

Nesse cenário, onde as inúmeras perdas como a convivência com a família de origem e amigos, da língua materna, do lugar social, da cidade, da comunidade, muitas vezes ameaça a história de vida da pessoa, que passa a se perceber como não pertencente lugar nenhum, uma vez que não se encaixa totalmente no país onde mora e nem no país de origem. A identidade pode ficar fragmentada, partida, presa entre dois mundos, entre duas realidades.

Por viver constantemente numa situação de instabilidade, o imigrante pode passar a se identificar com a condição de clandestinidade, de ilegitimidade, o que pode causar uma confusão entre a situação em que se vive e o próprio ser.

Uma estratégia eficaz para buscar aplacar esses sentimentos consiste em desenvolver ações que visem o fortalecimento da saúde emocional e psicológica.

A busca pelo reconhecimento da própria condição de imigrante, de forma lúcida e profunda, fugindo dos extremos de compreensão onde tudo é bom ou tudo é ruim, encarando a situação com o objetivo de traçar estratégias de sobrevivência possíveis de serem implantadas na esfera individual e familiar costuma produzir resultados significativos.

Como responsáveis pela manutenção da própria vida, uma vez que quase nunca nessa condição se pode contar com apoio externo, o imigrante necessita trabalhar para evitar o adoecimento que pode se manifestar em doenças como transtornos de ansiedade, depressão, transtorno do pânico, dentre tantas outras condições debilitantes.

Cultivar hábitos saudáveis, buscando o equilíbrio entre o trabalho e o descanso, o incremento do lazer, e sobretudo fugir do vício no trabalho como fuga da solidão, da saudade extrema e do arrependimento pela mudança. Nesses casos, o trabalho passa a representar um fim, e não um meio de vida. Tal situação não tarda em apresentar as consequências desse desequilíbrio. 

Outros hábitos que fortalecem muito as emoções e o psicológico são o exercício físico regular –  inclusive para quem realiza trabalho braçal, práticas de autocuidado, cuidado com a imagem pessoal, práticas religiosas (quando for a opção pessoal), atividades relaxantes como o cuidado e convivência com animais de estimação, jardinagem, leitura e artesanato são ferramentas muito úteis na promoção  a saúde e prevenção de doenças.

Caso se perceba em situações como tristeza excessiva e prolongada, choro sem motivo aparente, insônia sem causas orgânicas, ansiedade, agitação, nervosismo, cansaço constante e dificuldade de se relacionar com outras pessoas, vale a pena considerar a possibilidade de buscar ajuda psicológica, de preferência na língua materna, pois as sutilezas culturais e seus impactos na nossa vida são mais facilmente compreendidas pelos conterrâneos.

Nesses casos, a psicoterapia pode ser de grande ajuda para a compreensão dos sentimentos e emoções de forma mais ampla e o manejo da situação de forma individualizada e adequada a realidade individual. 

A busca pela saúde e qualidade de vida é um processo constante. O investimento em se autoconhecer e aprender a lidar com os desafios que se apresentam nos capacita a viver de forma mais satisfatória.